quinta-feira, agosto 31, 2006

Falando sobre Molyneux - Parte 4/8

Dando continuidade a esse post, publicarei aqui a íntegra do artigo sobre o trabalho do designer Peter Molyneux e sua relação com o a alteridade. Este foi o tema de minha apresentação na FILE 2006 e também na 2a Conferência de Estudos de Videogames da Universidade da Florida.



Jogando o Outro:
Alteridade no Trabalho de Peter Molyneux


Por Chico Queiroz

Dungeon Keeper

Quando Dungeon Keeper (Bullfrog Productions, 1997) foi lançado, sua jogabilidade não foi considerada tão inovadora quanto a implementada em Populous; Dungeon Keeper é geralmente descrito como um RTS (jogo de estratégia em tempo real). No entanto, o aspecto mais digno de destaque deste jogo consiste na representação do jogador, agora no papel de uma criatura maligna responsável por uma masmorra constantemente atacada por personagens heróicos. O próprio Peter Molyneux parece reconhecer esta como a característica mais importante do jogo: “o conceito original de Dungeon Keeper era “Você joga o vilão”. Esta era, eu achava, uma das melhores idéias que eu já havia tido. Em retrospecto, a maneira como foi implementada fez com que o jogo não fosse tão envolvente como deveria ter sido”. (Rolling and Morris, 2000: 126). De fato, testemunhos de jogadores enfatizam a idéia original como parte da diversão. Um revisor anônimo declara Dungeon Keeper, no website amazon.com, “Um dos melhores jogos no mercado, em minha opinião. Simplesmente adoro ser o malvado, ao invés do cenário tradicional “bom x mal” ” (Amazon.com, 2006). Esta catarse é compartilhada por outros revisores, como Claire Fawkes: “Ao invés de fazer coisas más na Internet, estava fazendo coisas más no jogo. Adorava garimpar ouro e rubis – ouro infinito – e adorava matar o mocinho” (Amazon.com, 2006). Como dito por Brian Sutton-Smith em The Ambiguity of Play, “[um jogo] liberta você ao uní-lo a outro” (Sutton-Smith, 1997:183).

Pode se dizer que Dungeon Keeper mantém o maniqueismo observado até agora em outros exemplos. Como em Populous, há o lado do bem e o do mal, onde forças opostas devem ser eliminadas. Entretanto, ao ligar-nos, os jogadores, com o ‘mal’ e o ‘outro’ com o ‘bem’, o jogo subverte as convenções do gênero, demonstrando sua arbitrariedade. Curiosamente, a experiência de adotar a perspectiva de uma outra pessoa é também reforçada pelo uso da câmera, que pode ser mudada de seu modo isométrico (Fig.2) para o ponto de vista de uma criatura selecionada pelo jogador (Fig.3).


(Fig. 2)


(Fig. 3)

(Imagens retiradas do website Mobygames)





Semana que vem: Black & White

segunda-feira, agosto 28, 2006

Falando sobre Molyneux - Parte 3/8

Dando continuidade a esse post, publicarei aqui a íntegra do artigo sobre o trabalho do designer Peter Molyneux e sua relação com o a alteridade. Este foi o tema de minha apresentação na FILE 2006 e também na 2a Conferência de Estudos de Videogames da Universidade da Florida.



Jogando o Outro:
Alteridade no Trabalho de Peter Molyneux


Por Chico Queiroz

Populous

Populous (Bullfrog Productions, 1989) deu origem ao gênero denominado ‘god simulation’ (simulação de divindades). O jogo põe o jogador no comando de uma divindade cujo poder é influenciado pelo numero de seguidores devotados e ele. Contando com uma variedade de poderes ambientais como manipulação de terreno, inundações e vulcões, o objetivo do jogador é dar poder a seus seguidores e eliminar os de outras divindades competidoras de uma ‘domínio teológico’ sobre a terra. Inovador, Populous foi o primeiro jogo onde Peter Molyneux é creditado como designer. Como indica a tela inicial da versão DOS do jogo (Fig. 1), há uma tendência em ilustrar a divindade do jogador como sendo benígna (um homem de barbas brancas que pode fazer lembrar Zeus ou uma representação estereotipada de Deus), e a de seu oponente, de feições também estereotipicamente demoníacas, como sendo maligna.


(Fig. 1)

Assim, a primeira referência à dicotomia bem / mal no trabalho de Molyneux opera da maneira anteriormente descrita neste artigo: O jogador, posicionado ao lado do bem, deve eliminar o maligno lado oposto. Poderia se argumentar que os seguidores deveriam ser considerados, também, ‘outros’. De fato, eles reagem às ações do jogador, não sendo diretamente controlados por ele. No entanto, pela relação simbiótica entre eles e seu deus, que por sinal não é representado por um personagem na tela, deveriam ser todos considerados instâncias do jogador.





Semana que vem: Dungeon Keeper

quinta-feira, agosto 24, 2006

Falando sobre Molyneux - Parte 2/8

Para dar continuidade ao post passado, publicarei aqui a íntegra do artigo sobre o trabalho do designer Peter Molyneux e sua relação com o a alteridade. Este foi o tema de minha apresentação na FILE 2006 e também na 2a Conferência de Estudos de Videogames da Universidade da Florida.



Jogando o Outro:
Alteridade no Trabalho de Peter Molyneux


Por Chico Queiroz

Introdução: jogos de computador, conflito e o herói

Em seu livro clássico The Art of Computer Game Design, Chris Crawford elabora a idéia de conflito como sendo “um elemento intrínseco a todos os jogos” (Crawford, [1982] 1997:14). Conflito desempenharia um papel central em jogos, onde diversas partes se esforçam em atingir um gol ou vitória sobre outros participantes. Segundo Crawford, isto poderia explicar o recorrente uso de violência em video games - não por ser a violência crucial para jogos, mas por ser uma maneira óbvia de retratar situações de conflito. Consideradas as limitações técnicas sofridas por jogos de computador durante seus primeiros anos, seria justo dizer que esta era também uma das maneiras mais práticas, já que a violência física e belicosa poderia ser representada e simulada com uma economia de recursos que não seria possível para formas mais sutis de conflito. Também se poderia argumentar que formas exarcebadas de violência permeam o imaginário coletivo. De narrativas originadas em um remoto passado, como as presentes na mitologia grega, a formas culturais contemporaneas, como em filmes como Pulp Fiction e histórias em quadrinhos como Sin City de Frank Miller, a violência como forma extrema de conflito vêm fascinando a humanidade. Por sua interatividade, jogos de computador possibilitam que se jogue com a violência de maneiras que narrativas não permitem. No entanto, ainda segundo Crawford, antes de se permitir a tal atividade, o jogador deveria ser apresentado a uma justificativa para tais atos de violência. A desumanização do oponente é uma solução frequente. Crawford escreve: “Nós nunca aniquilamos seres humanos; ao invés disso, vaporizamos monstros espaciais feios”: (1997: 25). Robôs, fantasmas e outras criaturas fantásticas poderiam ser adicionadas à lista. Entretanto, pode-se discordar da afirmatiza, já que alguns video games permitem (e encorajam) o jogador a atacar contra a vida de um personagem humano como forma de progredir no jogo. Sejam os inimigos humanos ou não, uma justificativa usual para os atos do jogador é seu posicionamento como sendo heróico. Isto é geralmente estabelecido através de uma história prévia, cut-scenes e indicações visuais, reforçando quaisquer motivos o lado do jogador tenha para engajar-se em combate contra o inimigo.

Devemos lembrar-nos, agora, que a condição heróica pode ser subjetiva, como argumenta Joseph Campbell em seu livro The Power of Myth (Campbell e Moyers, 1988). Campbell enxerga um valor intrinsico em atos considerados heróicos, percebidos como tais de acordo com o ponto de vista do observador. O exemplo utilizado é o de dois soldados, um americano e outro alemão, ambos merecedores de uma condição “heróica”, a despeito do fato de estarem em lados opostos (1988:127).

De fato, o jogo America’s Army (U.S. Army, 2002), desenvolvido para o exercito dos Estados Unidos e jogado por grupos opostos pela Internet, é notório por não permitir que seus usuários joguem caracterizados como terroristas. Durante as sessoes do jogo, cada grupo se vê como o exercito americano, e ao grupo oponente como terroristas. Isto poderia se dar pela consciência, por parte do desenvolvedor, da identificação do jogador com os personagens que controla e sua associação com uma posição heróica. Em seu livro Half-Real, o pesquisador de jogos e teórico Jesper Juul aponta a relação entre os mundos ficcionais e as regras reais de que video games são feitos (Juul, 2005). Pode-se especular sobre este fenômeno e sugerir que ele ocorre também entre jogador real e personagem fictício, e que o ethos do segundo seria renegociado em razão da progressão do primeiro – e que durante o jogo, a personalidade do jogador nunca está completamente separada do personagem e vice-versa. Jogadores, de acordo com Juul, “querem ser capazes de se identicar com o protagonista ficcional e com o objetivo do jogo no mundo ficcional” (205, 161). Esta identificação foi também investigada por Jill Walker, que notou: “no discurso envolvendo jogos de computador (...) a diferença entre jogar e ser o protagonista é borrada.” (Walker, 2001: 18). Paradoxalmente, por sempre mostar o lado do jogador como moralmente defensável e outro lado como não sendo – a ponto de esta tornar-se uma convenção em video games – pode-se adotar uma posição auto-centrada e moralmente questionável, incapaz de reconhecer o outro além de tais valores.

Isto tudo não significa que todas as representacões de alteridade em jogos são mostradas como malignas, mas que isso ocorre frequentemente. Este elo entre o ‘outro’ e o ‘mal’, assim como o maniqueismo alí implicito, é um ponto central de uma série de trabalhos de Peter Molyneux, que agora se propõe investigar. Molyneux foi especificamente escolhido pela evolução de seu trabalho em torno do tema do bem e do mal, assim como pela representação de outras formas de alteridade em seus jogos.




Semana que vem: Populous

quarta-feira, agosto 09, 2006

Falando sobre Molyneux no FILE 2006

Como parte da programação do Festival Internacional de Linguagem Eletrônica (FILE), apresentarei, no dia 16 de Agosto, uma palestra sobre o trabalho do designer de jogos Peter Molyneux (Populous, Black & White, Fable e outros). O evento reúnirá debates e exibições de diversos artistas. Para mim, é uma honra ter sido convidado a participar.

O FILE Symposium acontece entre os dias 15 e 20 de Agosto, das 14h às 18h30.
Minha apresentação está inicialmente prevista para o dia 16 de Agosto de 2006, às 14h30.

SESI - http://www.sesi.org.br/
Av.Paulista, 1313 - Bela Vista
Fone: (11) 3146-7103 / 3146-7102 | Fax: (11) 3146-7100
CEP: 01.311-923 - SÃO PAULO – SP

Para quem ficou interessado, reproduzo abaixo o abstract do artigo:



Jogando o Outro:
Alteridade no Trabalho de Peter Molyneux


Por Chico Queiroz

Abstract

Simulação e interatividade, idéias inerentes a video games, permitem ao jogador entregar-se a um ato de impersonação, através de um avatar ou não, e dialogar em tempo real com o universo do qual ele momentaneamente faz parte. Enquanto esta mídia é capaz de prover acesso a uma vasta gama de papéis e situações a serem experimentadas pelo usuário, tem havido, por uma série de motivos, certa constância nas posições oferecidas ao jogador – geralmente o papel de um herói arquetípico.

Jogos, eletrônicos ou não, costumam apresentar uma situação de conflito entre duas ou mais partes, onde o outro é um oponente. Em video games, um tom dramático geralmente é empregado através da construção e um lado ‘bom’, controlado pelo jogador, e um ‘mau’, normalmente entregue à inteligência artificial do jogo. Como no seminal Space Invaders, o ‘outro’ é regularmente mostrado, em jogos eletrônicos, como o inimigo ou o ‘lado mau’.

Existem, claro, exceções a regra, e poucos designers de jogos têm tido tamanha consideração pelo tema da alteridade em suas obras como Peter Molyneux. Jogos como Fable, Dungeon Keeper e Black & White dão aos usuários a possibilidade de jogar em afinidade com o universo normalmente reservado, por outros jogos, aos personagens que o jogador não pode controlar: o vilão, o alien – o outro.

O objetivo deste paper é discutir como o trabalho de Molyneux expressa tais temas, além de outras instâncias de alteridade, e como este discurso se desenvolve ao longo de sua carreira. Naturalmente, esta análise não se dirigirá a todos os jogos em que já tenha trabalhado, mas àqueles que melhor se encaixam no escopo desta reflexão. Atenção especial será dada a Populous, Dungeon Keeper, Black & White, Fable e The Movies.





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