quinta-feira, abril 27, 2006

Colisão Frontal

Por Chico Queiroz


Se você leu os artigos anteriores, pode ter notado uma tensão entre os pontos de vista apresentados: Se por um lado prega-se que se leve jogos a sério, não só por sua aplicação em projetos de caráter educativo, mas também por seu potencial artístico, por outro pede-se que se ignore possíveis influências nefastas do video game sobre aqueles que o jogam – especialmente no que diz respeito à violência, atitudes anti-sociais e outras questões éticas. Tudo parece muito conveniente àqueles que querem, entusiasmados, enaltecer o video game e suas virtudes, recusando-se a ouvir críticas que levam em conta justamente o poder comunicativo dos jogos eletrônicos. Afinal, deve-se levar tudo isso a sério ou não?

A pergunta, que cabe como uma luva na discussão iniciada pelos primeiros textos, é uma bomba que pode explodir no colo de desenvolvedores, designers e teóricos, se não for desarmada corretamente. Generalizações à parte, o tema ganhou força na última semana pelo alarde criado em torno de um jogo disponível na internet chamado Border Patrol, onde deve-se atirar em imigrantes mexicanos ilegais, caracterizados como contrabandistas de drogas, nacionalistas e grávidas. Apesar de não ser tão recente como se pensou a início, o jogo ganhou contornos ideológicos e propagandisticos – mesmo que involuntariamente - devido à polêmica envolvendo a questão dos imigrantes nos EUA.

Iniciou-se então um intenso debate no website gameology.org, onde ora condenava-se, ora desculpava-se o jogo em questão pelo discurso que apresentava. Vários lados do problema foram expostos – alguns relacionados aos assuntos discutidos anteriormente neste espaço, como o impacto dos jogos violentos no público e o potencial perssuasivo dos jogos eletrônicos. Ingressaram na discussão indivíduos de diversas nacionalidades e posicionamentos, mais ou menos exaltados, em torno da questão. Se como latino-americano o jogo me provocava certo desconforto, como interessado em jogos me parecia claro que Border Patrol não só seria incacapaz de angrariar partidários pro-violência contra imigrantes – pelo contrário, mais provável seria a repúdia ao discurso do jogo por parte daqueles dos que o jogassem – como também poderia ser classificado mais como brincadeira inconseqüente do que propaganda para ser levada a sério. O complicado neste caso é pregar (ao menos dentro da brincadeira) o extermínio de imigrantes ilegais mas, ao mesmo tempo, não admitir que se leve à sério o jogo. Talvez os artigos anteriores tenham efeito semelhante, enaltecendo o poder dos video games para depois relativizá-lo.

Uma de minhas opiniões anteriores, expressas nos dois últimos artigos, deveria então ser revista, não fossem jogos os artefatos complexos que são, operando como arte, propaganda, passatempo - e outras tantas finalidades - muitas vezes simultaneamente. Embora, em principio, seja contra qualquer forma de censura, acho que seria bom que designers e desenvolvedores reconhecessem a força do meio e se posicionassem como responsáveis pela mensagem sendo passada por seus jogos, sem recorrer à frivolidade dos jogos como desculpa.

O estudo da ética aplicada a video games ainda é recente. Talvez seja um ponto importante – pelo menos enquanto ele se desenvolve - avaliar cada caso individualmente e evitar generalizações, pois os discursos que um jogo pode carregar, independente de suas mecânicas, são muitos e variados. Em todo o caso, discussões como essa são positivas – geram algum pensamento critico sobre video games e suas implicações éticas. Debates deste tipo estão longe de se esgotar. É possível que, com a facilidade de produção de jogos para a internet, discussões semelhantes apareçam com cada vez mais frequencia, desafiando a ambiguidade que compõem os jogos. A bomba continua armada.

quarta-feira, abril 12, 2006

Jogos Sérios

Por Chico Queiroz

Já mencionamos anteriormente uma dificuldade dos meios de comunicação tradicionais em reconhecer o videogame enquanto parte da industria cultural e, portanto, merecedor de uma análise crítica análoga às do cinema, televisão e histórias em quadrinhos (para citar alguns exemplos). Hoje, quero apontar um gênero com potencial para reverter, ao menos parcialmente, este quadro desfavorável aos jogos eletrônicos: os Jogos Sérios.

Jogos Sérios são aqueles que, não necessariamente renegando a natureza prazerosa dos jogos, se dedicam a informar, capacitar e educar. Jogos deste tipo geralmente buscam causar uma impressão que o jogador leve para além dos domínios do próprio jogo – seja um conhecimento adquirido, uma mensagem de cunho social ou o desejo de consumir algum produto. Exemplos de Jogos Sérios incluem produtos tão diversos quanto America’s Army, projetado para incentivar o alistamento de jovens americanos, The McDonald’s Game, jogo de fundo ativista questionando práticas da indústria de fast-food, e Yourself! Fitness, que se anuncia como um personal trainer para plataformas de videogame.

Se o termo “Jogos Sérios” parece contraditório em si, é pela ênfase quase absoluta que se deu ao entretenimento como objetivo final do videogame desde que este surgiu, décadas atrás. A diversão foi, e ainda é, alçada à condição de santo graal do design de jogos. Há quem argumente que isso seria reflexo de uma imaturidade do meio que, afinal, seria muito recente quando comparada a outros como o próprio cinema, este já centenário. Mas o caso pode não ser esse. Jogos e brincadeiras, antes da chegada do computador, já carregavam uma aura de frivolidade, inconseqüência e até mesmo infantilidade. Paradoxalmente, alguns dos motivos para jugamentos como esses são os mesmos que poderiam explicar o potencial dos Jogos Sérios.

Acredita-se que o desenvolvimento infantil esteja diretamente relacionado com o ato de brincar. Pesquisadores como Jean Piaget teorizam o desenvolvimento da criança e suaadaptação ao mundo adulto através de suas atividades lúdicas. Jogos e brincadeiras seriam, para muitos, modos de aprendizado acessíveis e atraentes. Quando se joga, praticam-se vários atos de aprendizagem sucessívos, desde a memorização das regras, passando pela avaliação de estratégias e chegando ao domínio sobre jogo. Lingüistas como James Paul Gee e designers de jogos como Raph Koster são alguns a enfatizar a ligação entre educação e videogames, destacando como é possível que se extraia do aprendizado uma atividade divertida.

Outra característica dos videogames que contribui para seu caráter educativo/informativo é a simulação – muitas vezes melhor para ilustrar e representar processos detalhados que longos textos explicativos. A participação ativa do jogador também é um fator a ser levado em conta, pois permite uma manipulação que o permitiria e incentivaria uma exposição aprofundada do problema. Quando avaliamos outras formas de comunicação, vemos que se tratam de qualidades bastante peculiares ao meio interativo, do qual o videogame é um de seus maiores representantes.

Ora, não há motivo para que se restrinja estas qualidades a jogos voltados somente para o entretenimento. Embora a pouca idade do meio tenha sido descartada, ainda no início deste artigo, como motivo da suposta imaturidade dos videogames, é verdade que ela influencia (ou pode ter influenciado) esta idéia por pelo menos dois motivos. O primeiro diz respeito à capacidade técnica dos videogames, que em seu surgimento talvez não fosse suficiente para promover discursos um pouco mais sofisticados. O segundo reside no fato de que poucas gerações conviveram com este meio, o que pode explicar em parte a ausência de conteúdos mais sérios oferecidos ao público.

Jogos sérios podem ajudar a legitimar o papel do videogame dentro de outros meios de comunicação e na sociedade como um todo. Com propostas muitas vezes bem diferentes às dos jogos mais populares, mas sem perder as qualidades que compõem os jogos eletrônicos, trata-se de um gênero cujas mensagens podem ampliar consideravelmente as respostas emocionais dos jogadores e estimular debates a respeito dos temas apresentados e da maneira como estes são retratados. Não cabe aí nenhum elitismo: a esperança é que jogos voltados para a diversão pura e simples sejam, a partir de então, melhor compreendidos e reconhecidos dentro da indústria cultural da qual fazem parte.